O autocuidado é intensamente promovido pelos media, gerando movimentos a favor, mas também críticas que o consideram um apelo à futilidade e egoísmo.
Afinal, qual a relação entre os cuidados estéticos e a saúde mental? Será tudo uma questão de vaidade ou uma conquista de qualidade de vida? Com os meios digitais a promoverem padrões de beleza cada vez mais irrealistas, será que estamos condenados a sofrer por nunca cumprirmos plenamente a moldura de beleza esperada?
À procura de respostas para estas e outras inquietações conversamos com a Psicóloga, Dra Inês Barbosa.
Uma parte da nossa sociedade foi formatada para ver o autocuidado através da beleza, como algo fútil e superficial. Qual é o seu ponto de vista?
IB: Seja a cuidar da nossa pele, do nosso cabelo ou das nossas roupas, não estamos apenas a melhorar a nossa aparência externa, mas também a cultivar uma sensação de bem-estar interior. Esse processo de autocuidado tem impacto na forma como nos sentimos e, consequentemente, na forma como interagimos com o mundo à nossa volta.
Qual a relação da autoestima com a forma como cuidamos da nossa aparência?
IB: É fundamental reconhecer que a verdadeira autoestima não depende, exclusivamente, da aparência, até porque se trata de uma avaliação ou autopercepção multifatorial acerca do valor e competência que eu acredito ter. Podemos dizer, assim, que os pilares da autoestima englobam o meu autoconceito, a minha autovalorização, a minha autoconfiança e, por fim, mas não menos importante, a minha autocompaixão. Então, o cuidado com a estética é como quase tudo na vida: positivo se for vivido de forma equilibrada e saudável.
Alguns estudos indicam que as pessoas mais bonitas e mais atraentes têm maior probabilidade de atingir sucesso social e profissional. O autocuidado exercido através dos cuidados de beleza poderá gerar empoderamento pessoal e profissional?
IB: Há estudos que associam a beleza e a atratividade física a características como competência e confiança, o que pode ter um impacto positivo em diversas áreas da vida, designadamente a nível social e profissional. Contudo, o autocuidado vai, obviamente, muito além da aparência física e dos cuidados de beleza, pelo que o verdadeiro sucesso só poderá existir perante a coexistência de cuidados ao nível da saúde mental, emocional e física. Eu acredito que o verdadeiro empoderamento surge quando nos cuidamos de forma holística, genuína, e isso reflete-se ao nível da nossa identidade pessoal, desenvolvendo sentimentos de bem-estar a todos os níveis. Quando os cuidados de beleza são guiados apenas por padrões estéticos ou pela busca de aceitação externa, deixam de ser autocuidado e passam a constituir pressões potencialmente nocivas para a nossa identidade. Talvez o verdadeiro empoderamento seja isso mesmo: o equilíbrio entre a nossa essência, competência e identidade pessoal com medidas, cuidados e ações que nos aproximam dos resultados que queremos ter. Para mim, o empoderamento passa, inevitavelmente, por um sentido de coerência e integridade pessoal.
Parece existir uma linha muito ténue entre o cuidar de nós de forma saudável e o cuidar de nós de forma obsessiva. Existem perigos associados? A partir de que momento o culto da estética poderá ser negativo?
IB: Para alguns, a sociedade em que vivemos, poderá cultivar uma pressão excessiva com os cuidados de beleza e imagem, o que pode gerar ansiedade, obsessão, insegurança, distúrbios alimentares ou distorções da imagem corporal (dismorfia). Estes problemas surgem muitas vezes associados a padrões irrealistas de beleza impostos pela comunicação social, que criam a falsa ideia de que precisamos de corresponder a certos ideais para sermos valorizados ou aceites. Por isso, é essencial lembrar que a nossa autoestima não deve ser condicionada por esses padrões externos, mas sim pelo cultivo dos quatro pilares, acima referidos, que a constituem e que podem e devem ser treinados em contexto de psicoterapia.
O cuidado com a saúde mental deve ser uma prioridade. Vivemos num mundo acelerado e, muitas vezes, repleto de pressões e é fundamental reservar tempo para relaxar, refletir e cuidar do nosso equilíbrio emocional. Práticas como a meditação, a atenção plena (mindfulness) e o cultivo de relações saudáveis são formas de manter a saúde mental em dia. Quando cuidamos do nosso bem-estar psicológico, estamos mais preparados para lidar com os desafios da vida, o que se reflete numa maior confiança e resiliência.
Qual a ligação entre beleza e saúde física?
IB: Cuidar da saúde física é igualmente importante. O corpo e a mente estão interligados e o bem-estar físico afeta diretamente o bem-estar psicológico. Práticas como manter uma alimentação equilibrada, fazer exercício físico regularmente e ter uma rotina de sono adequada ajudam, não só a manter uma boa aparência física, mas também a melhorar o humor, a reduzir o stress e a aumentar a nossa sensação de energia e vitalidade. Além disso, o exercício físico liberta endorfinas, que são hormonas ligadas ao prazer e à felicidade, o que contribui para uma autoestima mais positiva.
Quais os sintomas mais frequentes entre as pessoas que sofrem com a pressão de ideais de beleza irrealistas? Quais as consequências para a sua qualidade de vida?
IB: Os principais sintomas incluem: baixa autoestima, insatisfação corporal, ansiedade e depressão. A comparação constante com padrões inatingíveis pode levar a comportamentos prejudiciais como restrições alimentares, procedimentos estéticos exagerados ou desnecessários, compras compulsivas, abuso de substâncias (algumas delas para gestão emocional e/ou gestão do peso), comparação, evitamento social e medo constante. Não é só a saúde mental que fica afetada, a obsessão pela aparência compromete a capacidade de desfrutar o presente, de momentos significativos e afetivos e ainda de criar conexões autênticas. É fundamental promover uma visão mais realista da beleza e incentivar um autocuidado que priorize a saúde mental e emocional. Somente assim conseguiremos criar um ambiente em que todos se sintam valorizados e aceites, independentemente da sua aparência.
Que recomendações (truques) nos pode deixar para desenvolver resiliência relativamente à pressão dos atuais padrões de beleza e estabelecer uma autoconfiança saudável?
IB: É importante desafiarmos os padrões irrealistas impostos pela sociedade, ativar o nosso pensamento crítico e tomar consciência que muitas imagens que vemos nas redes sociais são retocadas e não representam de todo a realidade. Para isso deixo algumas sugestões:
1. Criar um diário de gratidão onde registamos diariamente, pelo menos, 5 coisas positivas pelas quais estamos gratos. Esta prática para além de mudar o foco para o lado positivo da vida, ajuda-nos a viver no presente, a ser mindful e a tomar consciência das nossas qualidades e conquistas.
2. Limitar a exposição às redes sociais, especialmente a plataformas que promovem o culto da aparência e de temas fúteis que podem desencadear comparações e sentimentos de inferioridade, escassez e insatisfação pessoal. É preferível optar por plataformas onde se celebre a criatividade, a cultura, a diversidade e a autenticidade pessoal.
3. Priorizar atividades que promovam a saúde física e mental, como exercício físico, meditação e hobbies que promovam sensação de prazer e bem-estar.
4. Estabelecer metas realistas e objetivos pessoais que não estejam relacionados com a aparência física. É importante concentrar a nossa energia em metas de desenvolvimento pessoal e profissional que promovam crescimento e realização.
5. Praticar a autocompaixão: é essencial sermos gentis connosco, usarmos um discurso interno positivo, educativo e realista, que nos ajude a evoluir e a aprender de uma forma serena e amável. No fundo, implica adquirir um discurso interno semelhante aquele que ofereceríamos a um amigo ou pessoa que amamos muito e temos intenção de ajudar/orientar.
6. Ter um círculo de apoio: é fundamental que partilhemos as nossas vulnerabilidades, preocupações ou desafios com amigos, familiares ou profissionais de saúde. Partilhar experiências pode ser libertador e proporcionar novas perspetivas, para além de que reforça sentimentos de segurança e esperança.
7. Celebrar a diversidade e a criatividade é também fundamental para alargarmos a nossa compreensão acerca do belo, valorizando a autenticidade e a unicidade, ao invés de padrões unidimensionais de beleza. Para tal, sugiro conhecer diversas culturas através de viagens, de filmes, de livros ou de várias expressões artísticas que celebram a diversidade do ser humano no seu todo.
8. Refletir sobre a identidade para além da aparência: pode fazer um exercício de reflexão sobre as suas paixões, interesses e valores. A nossa identidade é composta por muito mais do que a nossa aparência física.
9. Praticar a atenção plena (mindfulness) e o enraizamento (grounding). Estas técnicas ajudam a trazer o pensamento para o “aqui e agora”, a aumentar a consciência sobre os pensamentos e sentimentos, permitindo respostas mais adaptativas e equilibradas.
Estas estratégias podem ajudar a cultivar uma autoconfiança saudável e a resiliência necessária para lidar com a pressão dos padrões de beleza atuais, promovendo um estilo de vida mais equilibrado e autêntico.

Take home message:
IB: Em última análise, acredito que o autocuidado envolve muito mais do que apenas a aparência. Trata-se de cuidar de quem somos a todos os níveis – físico, mental e emocional. Ao promovermos essa harmonia entre corpo e mente, encontramos um caminho mais saudável para construir uma autoestima sólida, que não depende exclusivamente de padrões estéticos, mas sim de um profundo senso de respeito e valorização por nós próprios.

Inês Barbosa, um Q&A muito pessoal:
O seu livro preferido e que recomenda a quem busca autoconhecimento?
IB: Difícil escolher só um, mas dentro do tema que estamos a bordar acho particularmente interessante “A coragem de ser imperfeito” de Brené Brown, onde a autora desafia a perceção de que a perfeição é o objetivo a atingir, mostrando que a verdadeira força vem da aceitação das nossas imperfeições, sendo a nossa vulnerabilidade uma das chaves para o crescimento pessoal.
Complete “Gosto de…?”
IB: Gosto de animais, da natureza, de aprender, de ler, de viajar, de rir até me doer a barriga, de pessoas gentis, corajosas, íntegras e virtuosas.
Uma decisão difícil, mas que lhe trouxe felicidade?
IB: Seguir a minha profissão como psicóloga.
Viagem de sonho que ainda falta fazer?
IB: Indonésia.
O mundo precisa menos de… ?
IB: Egos inflamados, guerras de todas as espécies e superficialismo.
A qualidade humana que mais aprecia?
IB: Integridade.
Uma qualidade humana que a enfurece?
IB: Falta de bom senso.
Complete “Todos deviam pelo menos uma vez na vida…“
IB: Fazer psicoterapia.
Cães ou gatos?
IB: Ambos, são amores muito diferentes.
Quais os cosméticos sem os quais não sai de casa?
IB: A minha vitamina C, ácido hialurónico e protetor solar com cor (é uma rotina matinal automática).
Sobre a Dra. Inês Barbosa
A Dr.ª Inês Barbosa (CP OPP 14441) é licenciada em Psicologia clínica e da saúde, mestre em Neuropsicologia clínica (desde 2010), pós-graduada em psicoterapias cognitivo-comportamentais, mindfullness, medicina sexual e emocional freedom technique (EFT). É responsável pelo serviço de psicologia do Hospital Particular de Paredes, na unidade de cuidados continuados e consulta externa. Tem especial interesse no trabalho com a população adulta, em áreas relacionadas com trauma, dor emocional e cura, conjugalidade, parentalidade, respostas de stress e neurodesregulação. A sua filosofia de vida é trabalhar de forma integrativa, aliando a Neurociência a estratégias cognitivo-comportamentais para promover a autoconsciência, a saúde emocional e um estilo de vida saudável às pessoas que a procuram.
Até breve!