Skip to main content

Entrevista com Ana Alexandre Oliveira, especialista em Dermocosmética

A acne não afeta apenas os adolescentes. A acne adulta, sobretudo a acne da mulher adulta, é uma condição de pele cada vez mais frequente e com impacto real na qualidade de vida. Pode tratar-se de uma condição que inicia na adolescência, persistindo até depois dos 30 ou 40 anos, como também pode surgir pela primeira vez muito depois da adolescência.

Estudos recentes indicam que a acne adolescente apresenta uma prevalência de 27,9% nos rapazes e 20,8% nas raparigas. Já no caso da acne adulta, a situação inverte-se: afeta sobretudo as mulheres, com idade média de início por volta dos 24 anos. No entanto, muitas continuam a apresentar lesões acneicas muito depois dessa idade.

Na região do Grande Porto, por exemplo, um estudo revelou que 61,5% da população já sofreu com acne, sendo as mulheres adultas o grupo mais afetado.

Impacto Psicológico e Emocional

Apesar de, por vezes, ser visto como um problema estético menor, o impacto psicológico da acne adulta pode ser profundo. Afeta a autoestima, influencia relações pessoais e profissionais e está frequentemente associado a sintomas de ansiedade e depressão.

Curiosamente, alguns estudos sugerem que o impacto emocional da acne no adulto pode ser mais acentuado do que na adolescência, possivelmente devido à discrepância entre a perceção social e a presença inesperada da doença nesta fase da vida.

Causas e Fatores de Risco da Acne na Mulher Adulta

A acne na mulher adulta tende a surgir na chamada zona U da face – mandíbula, queixo e pescoço. É marcada por lesões mais profundas, como quistos e nódulos, e distingue-se da acne juvenil, que afeta sobretudo a zona T (testa, nariz e queixo), apresentando lesões mais superficiais.

Os fatores desencadeantes são variados e incluem:

  • Alterações hormonais (por exemplo, relacionadas com o ciclo menstrual)
  • Stress
  • Dieta
  • Predisposição genética
  • Poluição atmosférica
  • Uso de cosméticos inadequados para determinado tipo de pele
  • Uso prolongado de máscaras, como observamos durante a pandemia da COVID-19
Principais fatores que podem desencadear ou agravar a acne adulta

Para aprofundar o tema, compreender melhor esta condição e partilhar estratégias eficazes para prevenção e tratamento, entrevistei a Ana Alexandre Oliveira, licenciada em Farmácia e especialista em cosmética e skincare.

Esta entrevista, dividida em duas partes, vai abordar o lado científico, o impacto emocional e as melhores práticas de cuidados de pele para quem lida com acne na fase adulta.

Entrevista a Ana Alexandre — Parte I: Compreender a Acne Adulta

Experiência pessoal com acne adulta

Sónia Esteves (SE): Ana, sei que lidaste pessoalmente com acne adulta. Podes contar-nos um pouco da tua experiência?

Ana Alexandre Oliveira (AAO): Olá Sónia, muito obrigada pelo convite. É uma honra poder colaborar contigo, já que és uma profissional que respeito imenso. Ora, a minha experiência com a acne adulta começou como começam muitas: tive uma questão de saúde que me levou a deixar de tomar contracetivos hormonais. Ao parar de tomar a pílula, fiquei com acne.

Contudo, ter acne não é algo que me fosse estranho por esta altura, porque na minha adolescência já tinha passado por lá. Isto é, na adolescência tinha tido acne retencional, muito mais predominante em comedões abertos e fechados (borbulhas e pontos negros) na testa e queixo. Porém, a acne que tive em adulta foi bem diferente. Neste caso estávamos a falar de quistos, especialmente na zona das têmporas.

Diferenças entre acne jovem e acne adulta: localização, tipo de lesão e frequência por género.

Impacto emocional e físico: mais do que uma questão estética

SE: O impacto emocional da acne é muitas vezes desvalorizado. Que tipo de efeitos notaste na tua autoestima e bem-estar?

AAO: As pessoas acham sempre que a acne é um não-problema, mas quem me dera que isso fosse verdade. Temos a parte óbvia, que é a parte estética. E sempre que estamos a falar de estética, as pessoas tendem a julgar. Para essas pessoas que tendem a achar que isto é apenas vaidade, experimentem estar a trabalhar na área da cosmética e terem quem vos diga na cara que não vai aceitar recomendações na área cosmética de alguém que tem a cara “neste estado”. Não conseguirem fazer o vosso trabalho porque as pessoas acham que o vosso rosto é o vosso portfolio e CV.

Mulher adulta com acne.

Por outro lado, temos a parte não estética, que muita gente nem imagina que existe – que é a dor. Os quistos que eu tinha nas têmporas eram tão dolorosos que dei por mim a evitar rir-me, porque o movimento facial de rir era-me doloroso. Quem diz isto, diz acordar a meio da noite porque virei o rosto para o lado errado na almofada e acordei com dor. Portanto, estamos a falar de impactos não só visuais, mas mesmo sociais e de qualidade de sono.

SE: Quais são os cuidados de higiene facial que consideras mais importantes para quem tem acne adulta?

AAO: Vai sempre depender do tipo de acne, dos tratamentos que se está a fazer e dos restantes produtos que usamos. No geral poderia categorizá-los em três secções de cuidados:

– Os de higiene suaves e respeitadores da barreira cutânea, para quem usa cosméticos com ativos potentes.

– Específicos mais nutritivos, especializados para quem faz tratamentos orais que deixam a pele muito seca.

– Cuidados com ácido salicílico para quem usa poucos ativos muito concentrados.

Ingredientes ativos que fazem a diferença no tratamento

SE: Em relação aos ingredientes ativos, que substâncias são mais eficazes no tratamento da acne da mulher adulta?

AAO: O ácido salicílico e o retinol são quase sempre a minha combinação favorita, mas nem todas as peles toleram. Numa gravidez, por exemplo, gosto de recorrer ao comedoclastin e à niacinamida (e faço o mesmo numa pele muito sensível). Acaba por ser sempre uma resposta personalizada para cada pessoa, porque aquilo que recomendamos são cosméticos com múltiplos ingredientes e não ingredientes isolados.

O papel do protetor solar na pele acneica

SE: Há quem diga que usar protetor solar piora a acne. Qual a importância de escolher um protetor solar para pele acneica e que fórmulas devemos procurar?

AAO: Usar um protetor desadequado certamente vai piorar a acne, tal como qualquer outro cosmético que não seja compatível com pele acneica. Contudo, ter a pele acneica desprotegida da radiação UV vai ter impactos significativos: a pele vai ficar mais facilmente com hiperpigmentação pós-inflamatória (manchas) e vamos ainda ter os efeitos cumulativos da exposição solar como danos nas proteínas estruturais que levam a rugas e flacidez. A minha resposta aqui varia muito com a restante rotina e as necessidades da pessoa, mas por norma serão sempre formas fluídas adequadas a pele acneica. Nem sempre protetores matificantes são a melhor solução para a acne, portanto há que ter isso em conta. 

SE: Na maquilhagem, há produtos ou ingredientes que devemos evitar? E, como escolher maquilhagem que respeite a pele com tendência acneica?

AAO: No geral, qualquer produto nutritivo ou com uma base mais oleosa. O maior problema da maquilhagem raramente é a maquilhagem, mas sim os pincéis e esponjas que estão com um atraso significativo na rotina de limpeza e desinfeção. Se usarmos um instrumento repleto de bactérias, vamos certamente agravar as crises.

Mitos e verdades sobre o tipo de pele e a acne

SE: Os cosméticos devem ser adaptados consoante o tipo de pele. É mito ou realidade que a acne só acontece em pele oleosa?

AAO: Temos a famosa “acne das máscaras” de que todos ouvimos falar nos últimos anos, que alguns autores questionam se deveria ser realmente chamada de acne e que acontece em qualquer tipo de pele por causa da fricção. Temos também casos de ovários poliquísticos que estão muito associados a acne na zona da mandíbula, que raramente é uma zona super oleosa.

SE: Já ouviste falar do efeito rebound ao parar certos produtos ou tratamentos para a acne? É um mito ou uma realidade?

AAO: É um mito. Os cosméticos não tratam questões de pele, mas podem ser fulcrais na manutenção. Podemos ter a pele tão estabilizada que ficamos com a sensação de que a acne desapareceu e, ao descontinuarmos a rotina, vamos ter um ciclo de agravamento.

SE: Quais são as principais sequelas da acne na pele? Como lidar com elas?

AAO: Vai depender muito do tipo de lesão ou sequela de que falamos. Se falarmos de cicatrizes com depressão temos de ir a aparatologia em clínica, sem qualquer hipótese de pensar que cosméticos poderão funcionar. Já numa hiperpigmentação pós-inflamatória já podemos conseguir ótimos resultados com cosméticos, mas claro que teremos uma resposta mais rápida se os combinarmos com aparatologia.

SE: E as sequelas emocionais, a “marca na alma”, achas que ainda se fala pouco sobre isso?

AAO: Sim, porque continuamos a achar que é fútil e que tudo se resolve com tempo. Há muito pouco espaço para reconhecimento da acne na vida adulta como o problema que realmente é. E como tudo, o que se guardar e do qual não se consegue falar (às vezes nem com amigos ou família) é bastante penoso.

Produtos favoritos e rotinas recomendadas por Ana Alexandre Oliveira

SE: Quais são os teus produtos favoritos para a acne adulta? Tens alguma rotina simples que possas recomendar?

AAO: Por motivos pessoais vou sempre ficar eternamente agradecida ao meu Biretix Duo, que me safou de ter de ir para medicação. Acaba por ser uma marca que recomendo imenso, embora atualmente recomende mais o Biretix Tri-Active, que ainda não existia quando tive as minhas crises em adulta. A marca também tem um spray corporal que é o meu favorito para acne corporal.

Para casos em que a pele não tolera retinol ou não pode usar, o Avène Comedomed Concentrado é das primeiras fórmulas a que recorro.

Outro favorito é o SVR Sebiaclear Sérum. Já perdi a conta ao número de pessoas que me agradeceram a recomendação da fórmula ao longo dos anos, porque é bastante completo sem recorrer a ácido salicílico.

Quanto a rotinas, sou sempre apologista de que rotinas que servem para toda a gente, não servem para ninguém. Gosto sempre de ter em conta os gostos, preferências, rotina, orçamento e necessidades da pessoa. Acho que em mais de uma década de trabalho na área ainda não recomendei a mesma rotina duas vezes.

Produtos para acne adulta: sugestões Ana Alexandre Oliveira.

SE: Em que momento achas que o skincare deixa de ser suficiente e devemos procurar um tratamento médico?

AAO: Se estivermos a falar de uma crise muito grave, sou sempre apologista de ir diretamente a um médico de referência. Sim, possivelmente o médico vai iniciar por cosméticos, mas convém fazer pelo menos um ciclo de rotina recomendada pelo médico antes de iniciar tratamento.

Por outro lado, se estivermos perante uma situação leve a moderada, mas que se prolonga há muito (mais de um ano), também convém ir ao médico.

SE: Quem está a fazer medicação para acne (como isotretinoína ou antibióticos orais), deve adaptar os seus cosméticos? Quais os principais cuidados a ter?

AAO: Nesses casos a grande prioridade é manter a integridade da função barreira da pele e nutri-la adequadamente. Esses tratamentos secam a pele e, nalguns casos, pode até interferir com a produção de lágrimas e resultar em questões oculares se não usarmos lágrimas artificiais. A minha recomendação é recorrer às sub-gamas de marcas de farmácia formuladas precisamente para essas situações. Geralmente são produtos que estão integrados nas gamas de pele acneica, mas com um acréscimo como “H” ou “Hydra”. Cremes reparadores como os “cicas” (Cicavit, Neocica, Cicaplast…) também costumam ser ótima opção.

Hábitos de estilo de vida que podem ajudar na prevenção

SE: Para além do skincare, que outros hábitos de estilo de vida podem ajudar na prevenção e controle da acne?

AAO: A alimentação é sempre altamente complexa, porque é muito difícil isolar o real efeito de um alimento numa patologia multifatorial como a acne. Contudo, há alimentos que parecem efetivamente agravar a acne. O problema? São geralmente altamente específicos a cada indivíduo. No meu caso, por exemplo, foi muito óbvio que ingerir leite agravava-me as crises. Embora não seja a única a reportar este alimento, não é taxativo que quem tem acne deva evitar o consumo de leite. Outro ingrediente que se costuma recomendar que seja evitado é o açúcar refinado. Aqui mais num contexto de ser pró-inflamatório. O chocolate é geralmente visto como o mau da fita, mas a verdade é que não parece haver muita evidência de que chocolate negro agrave as crises.

Outras coisas que podemos ter em atenção é mudar frequentemente a toalha com que limpamos o rosto e a fronha da almofada. Além disso, fronhas de cetim ou seda tendem a acumular menos detritos e acabam por ser melhores para quem tem acne.

Uma coisa em que raramente pensamos é o nosso telemóvel, mas se temos nojo dos corrimãos do metro, devíamos ter um semelhante aos nossos telemóveis. De preferência devemos sempre evitar o contacto direto do ecrã com a pele e ir lavando as mãos e evitar tocar no rosto com elas sujas.

Quanto à acne corporal, especialmente nos ombros e costas, os condicionadores e máscaras de cabelo são frequentemente um vilão dissimulado. Vale a pena tentar mudar de condicionador se estivermos perante uma crise em zonas onde o cabelo com produto pousa durante o banho e lavar sempre bem essas zonas com um gel de corpo que contenha ácido salicílico.

Palavras que ficam

Esta conversa com a Ana Alexandre Oliveira mostra que a acne adulta é muito mais do que uma questão estética – é uma experiência multifacetada que envolve saúde física, bem-estar emocional e hábitos diários. Ao partilharmos conhecimento e experiências, damos um passo importante para desmistificar esta condição e capacitar cada pessoa a cuidar da sua pele com confiança e informação.

Sobre a entrevistada

Ana Alexandre Oliveira é licenciada em Farmácia e fez o Programa Aberto de Especialização em Dermocosmética do CESIF. Trabalha há 10 anos na indústria cosmética e tem como áreas de interesse a proteção solar, aconselhamento cosmético, patologia da pele oleosa e sustentabilidade em cosmética. Escreve no blog The Skin Game há 9 anos e comunica no Instagram no handle @anacbalexandre

Fique connosco para a Parte II!

Na segunda parte desta entrevista, vamos abordar outro problema comum e muitas vezes confundido com a acne: a dermatite seborreica. Quais são os sinais de alerta? Que diferenças existem em relação à acne? E como tratar e prevenir esta condição que afeta o rosto, o couro cabeludo e até a autoestima?

Não perca esta Parte II com ainda mais dicas práticas, insights e recomendações que podem transformar a sua rotina de cuidados com a pele.

E lembre-se: a sua pele conta uma história. Cuide dela com conhecimento e intenção.

Referências bibliográficas

  • Tanghetti EA, Kawata AK, Daniels SR, Yeomans K, Burk CT, Callender VD. Understanding the burden of adult female acne. J Clin Aesthet Dermatol. 2014 Feb;7(2):22-30
  • Kutlu Ö, Karadağ AS, Wollina U. Adult acne versus adolescent acne: a narrative review with a focus on epidemiology to treatment. An Bras Dermatol. 2023 Jan-Feb;98(1):75-83. doi: 10.1016/j.abd.2022.01.006. Epub 2022 Oct 14.
  • Semedo D, Ladeiro F, Ruivo M, D’Oliveira C, De Sousa F, Gayo M, Lima C, Magalhães F, Brandão R, Branco M, Da Silva I, Batista J, Amado J, Massa A, Neves-Amado J. Adult Acne: Prevalence and Portrayal in Primary Healthcare Patients, in the Greater Porto Area, Portugal. Acta Med Port. 2016 Sep;29(9):507-513
  • Guguluș, D.L.; Vâță, D.; Popescu, I.A.; Pătrașcu, A.I.; Halip, I.A.; Mocanu, M.; Solovăstru, L.G. The Epidemiology of Acne in the Current Era: Trends and Clinical Implications. Cosmetics 2025, 12, 106
  • Xu, W., Xu, J., Huang, D. et al. Acne vulgaris: advances in pathogenesis and prevention strategies. Eur J Clin Microbiol Infect Dis 44, 515–532 (2025)

Dr.ª Sónia Esteves

Marcações

Dr.ª Sónia Esteves

Pretende marcar consulta com a Dr.ª Sónia Esteves?

    This will close in 0 seconds

    Pin It on Pinterest

    Partilhar